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Moribundo SUBurbano. Estereotipado: bandido, maconheiro e marginal. Escritor, poeta e, portanto, miserável.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Sobre educação e políticas de ação afirmativa.

No ano de 1999, em uma das universidades mais elitistas do país, um caso de racismo abalou a comunidade universitária: O famoso caso Ari.

Ari era estudante de antropologia da UNB, departamento que na época tinha um programa de Doutorado, que em 20 anos de existência, nunca tinha admitido um estudante negro. Ari foi o primeiro, e, além disso, logo no primeiro semestre, ele fez duas matérias e obteve nota máxima nas duas. Entretanto, no início de agosto, o mesmo procura alguns professores e afirma ter sido reprovado na matéria obrigatória, que coincidentemente, nunca tinha reprovado estudante algum em 20 anos. O professor responsável pela reprovação afirmou que, se Ari Lima tentasse revisão de nota, seria reprovado novamente. Engraçado, o responsável pela reprovação não conseguia, de forma alguma, sustentar academicamente os motivos pelos quais tinha reprovado o estudante negro.

Até então, era comum a não existência de estudantes negros na universidade e mais comum ainda, a inexistência do debate sobre cotas e políticas de ação afirmativa na Universidade de Brasília.

Bem verdade, que essa não é a realidade apenas da UNB, e sim das universidades brasileiras. Se nossa sociedade é racista, esse, sem dúvida, se expressa em todas as esferas desse país. Sinal de que a universidade brasileira não está à cima do bem e do mal, pelo contrário, é o espaço no qual o debate sobre o racismo se dá da forma mais velada possível, por conta de algumas questões básicas.

Sabe-se hoje, que racismo é crime, que “brincadeiras” de cunho racista reproduzem idéias discriminatórias e mais ainda, que o racismo é um crime imprescritível. Todos, dentro da universidade, sabem disso, e afirmo tal suposição por que é na universidade que se encontra a elite da intelectualidade brasileira, portanto, o setor da sociedade que possui maiores informações sobre leis, etc.

Nunca vi, dentro das dezenas de universidades nas quais participo de movimento estudantil e muito menos na universidade que estudei durante três anos, qualquer manifestação aberta de racismo. Nesses espaços, o mais importante é deixar o debate de lado, e naturalizarmos a inexistência de negros nesses espaços. Isso é o que a elite racista quer, entretanto, não o que os movimentos sociais comprometidos com a luta anti-racista almejam.

Na perspectiva de desconstrução de alguns argumentos anti-cotas, destaco dois assuntos, que sob meu ponto de vista, são os que ainda permanecem na retórica, tanto de racistas, como Demétrio Magnoli e Roberta Fragoso Kaufman, como de progressistas, que ainda permanecem recuados quando o debate permeia a reserva de vagas para negros.

Há algum tempo, em 2003 mais precisamente, alguns argumentos demasiadamente conservadores faziam sentido no plano das idéias, como o da diminuição da qualidade do ensino com a entrada de estudantes oriundos de escola pública, negros e indígenas, justamente por que esses precisavam tirar menores notas que a maioria, para ingressarem na universidade. Esse argumento caiu por terra, em decorrência de algumas pesquisas, principalmente na UERJ, primeira universidade brasileira a adotar a reserva de vagas.

O que mais me preocupa não são os argumentos conservadores, e sim os argumentos travestidos de progressistas, que geralmente não levam em consideração a história do nosso país, e principalmente o desassossego que a entrada de negros na universidade, causa nesses indivíduos.

Foram mais de 300 anos de escravidão, os africanos no Brasil foram obrigados a mudar de nome, esquecer seu passado, sua religião e várias outras mazelas que estamos cansados de saber, aqui... Isso não importa. O mais importante é avaliar o período pós-abolicionista, no qual negros livres não tiveram chance de serem integrados a sociedade, pelo contrário, algumas políticas de estado segregaram ainda mais esse seguimento.

Quem não se lembra da lei da vadiagem, que criminalizava a desolação ou o perambular, e era geralmente aplicada a homens negros? Quem não se lembra dos motivos pelos quais não se tinha uma educação básica em horário noturno? A argumentação era clara: vai servir de local para vadios se reunirem. Enfim, quem não se lembra da política de imigração, incentivada pelo governo, e que previa distribuição de terras, trabalho e proteção especial aos imigrantes, no caso, cerca de 1,5 milhão? São fatos da nossa história, negados e sabemos muito bem os motivos para tal.

Um dia desses, uma pixação apareceu nas dependências da UERJ: “fora pretos, esse não é o lugar de vocês!”. Alguns setores que defendem o sistema de cotas para negros preferem não comentar o fato, negar que hostilidades ocorrem dentro das universidades brasileiras, justamente por que acreditam que dar visibilidade as ocorrências, é o mesmo que contribuir para que a reserva de vagas seja negada em determinados espaços, sob o argumento de incitar o ódio racial. Algumas considerações merecem ser feitas, e faço isso por que discordo do posicionamento desses setores que defendem as cotas.

Como colocado mais à cima, a sociedade brasileira é racista, óbvio. Em todas as esferas, esse preconceito se materializa. Não seria então, o sistema de cotas, uma maneira para que o tema racial seja discutido nas universidades?Tenho pra mim, que se combate o racismo discutindo o mesmo, e dar visibilidade a hostilidades como essa, que aconteceu na UERJ, nada mais é que desvelar o que toda nossa bibliografia demonstra ser velado, e não nego.

Sobre o debate de cotas na UFRJ.

É deveras importante fazer o debate amplo sobre educação, isso é claro, principalmente pra quem faz movimento estudantil e tem como prioridade pensar a educação brasileira. Entretanto, em alguns espaços nos quais se discute o sistema de cotas, a amplitude da discussão sobre democratização do acesso à universidade invisibiliza algumas questões de demasiada importância para a universidade. Tomemos como referência a universidade cujo papel principal é formar opinião, sendo que nesse espaço forma-se a intelectualidade brasileira.

O debate que se propõe na universidade é sim o da implementação do sistema de cotas, ou seja, a forma como o sistema será ou não implementado na universidade. Nenhum outro debate, embora eu reconheça a importância e a essência de ser discutido, pode, de forma alguma, ser tratado de forma prioritária no conselho universitário, ou em qualquer outro espaço. Faço essa avaliação por que observo que a reserva de vagas pode não ser aprovada na UFRJ, que de fato é um dos espaços mais elitistas do país.

Trazer à luz todas as questões que envolvem a reserva de vagas para negros, além de ser uma forma de colocar pra dentro da universidade um tema que tem sido negado desde a sua fundação: o racismo na sociedade brasileira, pode ser também um motivo para pensarmos outra sociedade, mais justa e igualitária, pautada no movimento da nossa história, que é, sem dúvida a luta de classes. E vale ressaltar, o racismo nada mais é que um instrumento do capitalismo.

7 comentários:

Theófilo Rodrigues disse...

A UFRJ já possui cota. A ideologia hegemônica que não nos deixa perceber esse fato tão óbvio.

Afinal de contas, não é toda a sociedade brasileira que tem direito de entrar de forma igualitária lá.

Somente entra nas universidades públicas aquela minoria da sociedade brasileira, aqueles 2% mais ricos que ocupam as vagas da universidade. Esses são os verdadeiros cotistas. Já nascem sabendo que vão ter uma vaga na universidade pública brasileira.

Cabe aos outros 98% dos jovens brasileiros diputar as vagas que sobram na universidade privada...

Assim, é preciso expandir as vagas das universidades públicas como disse o professor aluísio. Tá certo. Mas o professor erra ao achar que nada deve ser feito enquanto essas vagas não são criadas.

Precisamos colocar o povo dentro da universidade. Imediatamente. Do contrário, as torres de marfim continuarão de pé.

Felipe Braga disse...

Esse episódio na UERJ foi lamentável. Mas é aí que a discussão deve se expandir. Cadê os grandes meios de comunicação? Eu, particularmente, não vi nenhum Jornal Nacional noticiar o caso. Fiquei sabendo através de outros meios.

Quanto ao sistema de cotas, acho válido. É a democratização do ensino superior, que como já foi dito, é predominado por uma elite que está muito a frente da grande massa, em termos de oportunidades.

Enfim, ainda há um caminho muito longo para que a sociedade seja justa.

Abraço, camarada.

Dirceu disse...

Grandes considerações. É preciso aprofundar o debate utilizando-se de todos os argumentos, sejam aqueles que tocam o aspecto de reparação, justiça e inclusão social; mas, para aqueles que não têm sensibilidade e argucia o suficiente, utilizaremos os números para demonstrarmos a validade das cotas. Fizeste muito bem.

rarar disse...

Dizem que quando a evolução dos direitos acontece, a historia quase que se repete, os percursores enfrentam quase os mesmos problemas e com as ferramentas de luta, que seria o empenho, a resistência e a mais forte de todas a vontade de mudar, conseguem o mais arduo direito que é ser um cidadão educado, doutorado, graduado e pensante. Em seu artigo você cita que não há debate nas universidades,sendo que na mídia colocam três contra as cotas incluindo um negro ou uma negra mais alienado (a) que o pele, e somente um defendendo sem argumentos contundentes. Devemos montar equipes de debate nas universidade, fazendo uma seleção de debatedores para percorrer todo o Brasil. Não devemos esperar pelos reitores,politicos do DEM ou PSDB para incitar o debate, nós devemos fazer isso imediatamente.

http://www.youtube.com/watch?v=Fd7-oKgiFmg

rarar disse...

Vai o link do trailer do filme o Grande desafio. Se não assistiram por favor assistam.....

rarar disse...

O grande de desafio

http://www.youtube.com/watch?v=Fd7-oKgiFmg

Antonio Ozaí da Silva disse...

Parabéns pelo texto!
Infelizmente, o racismo permanece - ainda que oculto e muitas vezes sob a máscara da ideologia meritocrática.

Abraços e tudo de bom,