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Moribundo SUBurbano. Estereotipado: bandido, maconheiro e marginal. Escritor, poeta e, portanto, miserável.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sala, copa e cozinha

Reproduzo aqui esse artigo cuja leitura me deixou em estado de excitação máxima.




Por Michel Blanco . 05.11.10 - 17h33


Uma jovem estudante de Direito, desalentada com a vitória da petista Dilma Rousseff, ganhou fama ao clamar no Twitter o afogamento de nordestinos em benefício de São Paulo. O ódio da moça brotou em meio a uma campanha difamatória que irrigou expedientes eleitoreiros. Se na TV o marketing cuidou de dar boa aparência aos candidatos, na internet a coisa foi feia. Levante a mão quem não recebeu um único spam desqualificando os votos da população assistida pelo Bolsa Família. Sobre tal corrente, a psicanalista Maria Rita Kehl disse o que tinha de ser dito – e foi punida por isso. Assim estávamos na campanha…

A xenofobia da estudante paulista, no entanto, não é retrato das tensões do momento. É uma fotografia embolorada, guardada num fundo de armário, agora trazida à tona. Quem triscou fogo nos spams sabia que o ódio fermentava. Bastava uma faísca. Se tiver estômago, pode ler uma coletânea de tweets odientos — e odiosos — no Diga não à Xenofobia. A menina não está só.

A maioria dessas mensagens parte de jovens de mais ou menos 25 anos. O que leva a supor que muitos deem vazão a preconceitos ruminados à hora do jantar em família, da festinha do sobrinho ou do churrasco da faculdade. Está aí boa parte da festejada geração da internet, que confunde vida real com a vida em rede, mas se sente imune às consequências de atos online. Mostram os dentes no Twitter como se estivessem a salvo da luz do dia, como se não fosse dar nada. Mas deu, mano.

A moça que gostaria de afogar um nordestino em São Paulo acabou ela mesma por submergir. Deletou seu perfil ante a repercussão do caso, que lhe rendeu a protocolação de uma notícia-crime pela OAB de Pernambuco no Ministério Público Federal em São Paulo. O escritório de advocacia onde estagiava apressou-se em dizer que ela não despacha mais por lá. O caso foi parar até nas páginas do britânico Telegraph. Vários outros “bacanas” seguiram os passos da menina e desapareceram do Twitter. Talvez arrependidos do um ato impensado, da ausência completa de reflexão ou, mais provável, da ameaça de punição legal. Quem sabe ainda há tempo para deixar as trevas.

Ironicamente, o aguardado uso da internet nas eleições ajudou a liberar o que há de mais retrógrado entre nós (embora o poder transformador da rede esteja muito além disso). Parecemos recuar 50 anos em relação a direitos civis. Houve até o retorno de mortos-vivos, grupos pouco representativos e de triste memória. Não bastasse o proselitismo religioso, a ação das militâncias, oficiais e oficiosas, na internet descambou para baixaria geral. Conhecido o resultado da eleição presidencial, viria o pior: o insulto aos eleitores, desclassificando-os.

Enfim, é uma questão de classe; não de compostura. Uma parte dos jovens que se julgam classe A levantou-se da sala de jantar para reinstaurar a separação da copa e da cozinha, sem se dar conta de que a divisão dos cômodos já não é tão sólida. O que move tanto ódio? Passionalidade do clima eleitoral não é o suficiente.

Nunca na história deste país (tá, essa foi só para provocar) se falou tanto em classes C e D e E. Estão todos os dias na imprensa; chamam atenção pelo crescente poder de consumo. E é a isto que a noção de classes parece se resumir hoje: consumo. Talvez esteja aí a raiva dessa moçada, muito mais identificada com bens do que com valores.

Identificar-se por aquilo que se consome pressupõe um sentimento de exclusividade. “Eu tô dentro e eles, fora”. Uma concepção de vida alimentada e também confrontada pela massificação do consumo. A tensão desponta quando “eles”, os esfarrapados, começam a ter o que “eu” tenho. A exclusividade mingua, e o povão chega chegando, sentando ao seu lado no avião. É preciso descolar novos meios para diferenciar uns dos outros. A desqualificação é um deles.

Um dos legados desta eleição embalada por baixarias é uma tensão que parece escapar da acomodação sobre a imagem construída pelo mito fundador nacional. Descobrimos um pensamento ultra-conservador no Brasil, e ele pôs a cabeça para fora. Seria um exagero, no entanto, dizer que o país está dividido. Mas é igualmente um equívoco considerar que a identidade nacional sai ilesa – por definição, ela é lacunar, ao pressupor a relação com o outro. O que queremos de nós mesmos?

Mas na cabeça dessa moçada raivosa, nada disso seria necessário, e a harmonia se restabeleceria desde que todos estivessem nos lugares “certos”. Assim, estão prontos para experimentar o que consideram desenvolvimento e mal esperam a ocasião para pôr à mesa de alguma congregação do Tea Party uma iguaria nacional: uma saborosa broa de milho feita pela mãos da preta dócil que serve a casa.


em: http://br.news.search.yahoo.com/search/news?p=copa+cozinha&ei=UTF-8&c=

2 comentários:

Felipe Braga disse...

Lamentável.

Além de nazista, é burra. Mesmo se não contarmos os votos do Nordeste, Dilma seria eleita.

Mas o tema principal não é nem esse. É o incrível desconhecimento da realidade social do nosso país, de nossa cultura, de nossas raízes. É ignorar os direitos humanos.

Deve estar com vergonha. Será que ela sabe o que é isso?

Anônimo disse...

Olá

Excelente texto, que me leva a recordar Kabenguele Munanga quando diz uma frase simples, porém de um conteúdo altamente reflexivo:

“Crianças não nascem
preconceituosas”, o que é um fato, sou professora e percebo claramente a dinâmica familiar que externam em sala de aula, cabe a família e a escola iniciar o processo para uma educação anti-racista, são crianças.

E esta estudante de Direito que se achou no Direito de emitir opiniões racistas e desumanas contra os nordestinos?

O que se passa? Talvez, um dos fatores esteja ligado a formação universitária.

Embora a Lei 10639/2003 exista, e deva fazer parte do currículo desde a Educação básica até a Educação Universitária. As universidades continuam cada vez mais omissas frente aos debates e o conhecimento sobre as questões ligadas ao respeito a diversidade rica e absoluta em nosso país.

Estão a “preparar” jovens que ainda nem bem tem certeza da escolha de uma profissão, somente para a aquisição de um conhecimento utilitário, fragmentado (do siga o modelo),um conhecimento estritamente acadêmico.

Caso duvidem, entrem no banco do Lattes no Cnpq, não há experiência.

Muitos currículos mostram apenas o item graduação preenchido e nada mais, e, a partir disto, já se inserem no Programa de Pós Graduação.

Um conhecimento sem reflexão com a prática, sem a vivência, sem o contato com o outro é um conhecimento vazio, totalmente desprovido de conteúdo.

O que ocorre com esta estudante e milhões de estudantes no país. São estes os indivíduos situados, articulados e estratégicos que a universidade vem formando? É lamentável .

A estudante possui uma pobreza intelectual que assusta. A pobreza não está ligada a quantidade de bens materiais , mas sim, a falta de acesso ao conhecimento, justamente o que falta para esta estudante.

Quanto ao povo criminalizado por ser pobre, nas urnas, mostrou possuir mais conhecimento que uma estudante de Direito.

Se perguntares para meus alunos na faixa dos 9 anos o que é preconceito, responderam com tranquilidade e exemplificaram indignados tal comportamento: - Prof. é falta de conhecimento!

Ah, ia esquecendo, talvez a estudante tenha realmente perdido a aula de Direitos Humanos as ir fazer as unha s em uma das estéticas localizadas no Campus da Universidade onde estuda.

MUITAS NESTE “ESTILO” já existem no país, as quais são denominadas de ‘universidades de ponta’, que não passam de gigantescos “Shoppings Centers” ainda a reproduzir o conhecimento eurocêntrico como absoluto.

Algo não vai bem.