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Rio, RJ, Brazil
Moribundo SUBurbano. Estereotipado: bandido, maconheiro e marginal. Escritor, poeta e, portanto, miserável.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Na cidade do pecado

Ninguém sabia realmente o que tinha acontecido. Alguns, na verdade, até sabiam alguma coisa aqui, outra ali, porém, de uma coisa todos tinham certeza: uma hora eles voltariam.
Era comum terminarem, algumas brigas, algum orgulho. Ponto. Terminado. Um dia, menos de um dia, e lá estavam eles, juntos de novo. Dessa vez foi diferente. Eu, que muita coisa sabia, desconfiava da única certeza que todos tinham. Pra mim eles não voltariam, não nessa situação, não pelo que tinham passado nesses vinte e oito dias separados. Dessa vez ela quem terminara, ele, que sempre findava, porém sempre pedia para voltar, mergulhara no orgulho dela. Nem ele, que sempre fez besteiras, sempre traíra etc. imaginava tanto orgulho da parte dela, difícil, porque qualquer pessoa em sã consciência teria percebido, não era orgulho dela, e sim, orgulho ferido dela.
Quase um mês, e a saudade já não se comporta como antes. Manifestada em desespero, pelo apego e sentimento de posse, agora, ela, pouco a pouco diluída pelas reflexões, geralmente executadas com o objetivo de melhoras, desconstruções de preconceitos, machismos...
Percebi que ele tinha mudado. Sempre fora humilde, sempre abaixava a cabeça quando estava errado, não seria diferente agora, era bom... Vem sentindo saudade, isso é inegável, mas tudo tem sua hora, e o amor-próprio nunca nos abandona para sempre, por mais reflexivo que o ser seja, por mais humilde, com consciência de alguma coisa. Agora sim, a resposta estava aí, em nossa cara: ele fora abandonado. Difícil assumir?Não!
Não sei não, a noite passada foi estranha, pensei que não lembraria muita coisa, mas a luz da noite suportada, parece, vai me acompanhar por algum tempo. Ontem, de vez, provei teorias. Já dizia alguém, não sei, não era da academia: “contra fatos, não há argumentos”, ora, nada mais me afetaria, pronto, o peso da verdade seria inegável. Posso agora falar para todos. Confesso: não entendi muita coisa do que se passou ontem, espero que alguém tenha compreendido. Meu dedão do pé dói, acho que tropecei umas três vezes, no escuro. O degrau, caralho! Quem põe uma merda daquela no caminho?! Melhor que ter metade do beiço arrancado, garota louca, aquela. Acho que só assumi aquele papel porque estava doidão, e não era apenas cerveja...
Entendo pouco dessas coisas de bacanal, Baco, Dionísio, cacete! Parece-me que esse tipo de coisa não se faz... Agora eu vi, presenciei, fazem sim, suruba! “porra, aquele moleque tá de sacanagem, geral querendo comer aquela mulher e ele lá, porra de beijinho, discutindo relação com uma mulher que quer dar para todos? Tu és meu amigo, filho-da-puta, vamos parando com essa porra. Aproximo-me do casal. Olha, vocês não mudam a cena, sei que você gosta de cinema, faz curso e o caralho, próxima cena é minha, posso? Aquela mulher queria era dois homens em cima dela, só pode, percebi quando cheguei ali do lado pra sugerir a próxima cena, pra fazer com que a galera se acalmasse. Pego a mão dele, coloco no peito dela, por cima da camisa, cena um. Ó, quero a próxima cena também, pego a mão dele, abaixo a blusa dela, ta aí, chupa o peito dela, moleque, ele era moleque, achei melhor assim, vamos entender... duas cenas, vai rolar alguma coisa, acabou a ponta?
Aí irmão, tem mais baseado aí? Aí, cumpádi, na rua de trás, dobra a esquerda, o movimento ta ali. Me acompanha, camarada? A gente não conhece porra nenhuma aqui, cara, e aí? Um baseado nosso, só nosso?Demorô!Aí, parceiro, o movimento aqui é tranquilo?Porra, é o 7, é a gente!Sabia, caralho, aí que fudí meu dedo, descendo a escada? Tem gente metendo no carro, moleque, olha essa porra, acho que é a loirinha, ela disse que ia meter o pé, mas quem é o maluco que ta faltando lá em cima? Foda-se, vamos indo...
A gente não conhece ninguém aqui, camarada, somos malucos, porra. Tá tranquilo, vamos indo. Aí, qualquer coisa, porra, tu é do Jardim Novo, ouviu?Jardim novo! Aí moleque, onde é a boca? Fala com os caras aí atrás. Beleza, são os caras alí. Irmão, tem baseado? Não, só do branco, baseado é com os caras alí no topo. Moleque, a gente é maluco, cadê os caras? Escuro pra caralho. Tu é do Jardim novo moleque, Jardim Novo. Beleza, fica tranquilo. Aí, porque os caras ficam separados, porque a boca é separada? Os caras que estão lá em baixo são os que estão quebrados. Tem baseado aí? Se liga, tu falou com quem lá embaixo?O de camisa branca? Nem lembrava que tinha alguém de camisa branca lá, porra e agora? Aí, não sei não, acho que era o de jaqueta do exército, sim, era ele, confirmei. O cara era negro, não vi o rosto. Logo abaixo, mais um, de bicicleta, virou, de costas, parecia querer ir embora. Porra, por qual motivo esse cara demora tanto pra vender, pra descer? Lá de cima, ele, parado não sei quanto tempo, a observar os outros dois lá embaixo, exclama um PORRA, foi o porra mais arrepiante da minha vida, tudo por causa de um baseado? Ele desce, para em nossa frente, quer o quê, de quanto? Maconha de dois, tem? Tem. Beleza. Vamos descendo, caralho, maior ladeira, que dificuldade. Essa demora, esse clima, porra, que isso, ninguém nunca me disse que o esquema era assim, nunca me disseram nada, maior clima pesado, bagulho sinistro. Ainda tem gente no carro, a galera ta metendo pra cacete... De novo, porra, esse degrau de merda... Ai, tamo aí já... porra, vamos juntar nesse aqui, ta pancadão, vai ficar um pancadão... um terceiro vem, se aproxima, aí, como tava o movimento lá? Vocês são malucos, eu fumo, mas não me sujeito a isso não, comprar?Nem to maluco. Nessa hora pensei que tudo que tinha ouvido falar, era a mais absoluta mentira, que o clima é tranqüilo, que a galera vende tranquilamente, e olhe lá, aqui é uma favela pequena, que droga. Os caras estão drogados demais, o dono da casa é maluco, ele tá muito louco, irmão. Lá no bar, àquela hora, tá ligado? Que tu me falou, porra, essa parada não vai dar certo não, olha o maluco, ta foda, eles estão doidões . Foda-se, vamos ver qual vai ser, vai ter mulher, essas mulheres vão também, tranqüilo, vamos lá... O carro está lotado, temos que pedir mais dois táxis, pede aí cara, já ligou para o táxi?Tá demorando pra cacete... Vamos fretar uma Kombi? Vamos? Mas como, não passa Kombi aqui não. Espera está passando uma aqui, faz sinal, faz sinal, caralho, ninguém para pra gente, também, estamos num bar, bebendo há quatro horas, como?Aí, vamos pegar uma Kombi lá na praça?Vamos, eu vou contigo...
Caralho, que merda, vir acompanhando esse cara, logo esse, que discutí há um tempinho, esse safado, vem falar que não mereço ter dread porque não fumo maconha, e ele?é branco, safado, fuma maconha do tráfico, financia a guerra, as mortes, os assaltos, to tranquilo, mas era pra eu ter quebrado ele, mas ia dar merda, ia estragar a festa, os caras iam juntar em mim, mas meus camaradas também estão aqui, íamos sair na porrada, acabaríamos com a festa, evitei, tranqüilo, agora tô aqui, andando ao lado dele, mas que vontade de quebrar ele aqui, ninguém vai ver, volto lá e falo que foi a policia, quebrou ele, tava com maconha, levou umas e a PM ta vindo aí me seguindo, todos meteriam o pé, não daria em nada, o safado nem ia lembrar de nada no dia seguinte, que maconheiro safado. Fala,vamos fretar a Kombi, o quê, onde íamos mesmo?Ele nem lembrava, mas eu sabia, aí, 794, 794... Dez cabeças, vamos pro 77, vamos fretar essa porra, põe geral pra fora. Não daria, tinha fiscal, o motorista era um trabalhador tranquilo, honesto, vem o fiscal, fanho, não pode, não pode, não adianta. Mas nós é do 7, do tráfico lá, vamos embora... Eu, alí, naquele ponto, várias vezes, alí, com minha namorada, namorada não, ex-namorada, pegando um táxi rumo a uma noite de amor, e agora, na mesma Kombi que passava em frente a minha casa, eu, fazendo papel de traficante, que safado esse cara, que bandido, acuando trabalhador. Vamos embora, o cara está trabalhando, saí, saí, mete o pé...vamos pegar um táxi... ai, irmão, não me atrapalha não, deixa eu falar, vamos pro 77, mas tem uma galera ali, uns 6, mais ou menos, vamos pegar a galera ali no bar, beleza? Vamos...tranquilo, onde é? Na doze, vamos... Teu irmão, como está? O safado conhecia o irmão do motorista, irmão-maconheiro, enquanto o motorista, irmão-tranquilo, batalhador, tinha que ouvir isso... Bacanal, o caralho, maconha, vai rolar tudo, vamos? Cacete, ninguém no bar, porra, o táxi da galera chegou, vamos pro 77, devem estar lá, puxa, motorista...caralho, ó eles ai, tão ai eles, pára, pára, vamos galera, partiu, vamos... Não, o M. tá lá com a mulher, não é pra deixar ela lá não, eles vão ficar na pista. Foda-se, vamos B. vamos, D. vem...vem...pega o táxi, a gente tá com o dono do barraco, tá tranquilo, vem...só nós três no táxi? Tá com grana aí, esse safado não vai querer pagar, é certo. Chegamos, é ai, tenho quatro, aí, irmão, quanto dá essa corrida?Diz a ele aí, dizia o motorista pro safado, quanto dá a corrida... É quinze, quinze, D fala, quinze?É muito, é muito, dez, pode ser dez, beleza, tenho quatro, me dá os quatro, dou dez. fechou?Valeu irmão, beleza... Bom trabalho, nessas horas também éramos educados, que merda... Barbarismo de merda que não me atinge...
Na casa dele estava tranquilo, o primeiro baseado, a saída para comprar o segundo, aperta... Aperta direito porra, esse pastelão aí não quero não, beleza?Não vai ser pastelão não...o maluco que apertava parecia saber o que estava fazendo, caralho, esse cara me lembra alguém, ah! O Cuíca, porra, logo o Cuíca, nessa situação eu lembro dele, e pior, encarnado num maluco que nem sei quem é, aqui, dentro dessa favela.Cuíca, matador, matava e contava, cada história de merda. Se fosse um bárbaro como ele, num dia daquele tinha o matado, quantos ele ainda não mataria como matou aquele cara, no dia do casamento. Irmão perdeu... Perdeu... Oitão na cara, pipoco, falhou! Porra! Pelo amor de Deus, irmão, tenho filhos, mulher, o que você quer, te dou, te pago? Primeiro, tua mulher que me mandou aqui, segundo, não quero grana, ela vai me dar, é o teu seguro, terceiro, só quero tua alma agora... Arma de merda... Pelo amor de Deus, cara... Não põe Deus nisso, essa hora o cara ta descansando, a arma não pega, o cara - vítima vem pra cima, por favor, Ó, por favor é o caralho, seja homem, coronhada na cara, várias, aí dá tempo, concerta a arma, e atira, vários na cara, de perto, ele sabia que de perto o sangue espirra, foda-se, eu mando aqui, meu tio manda aqui, é nós... Volta para o casamento, onde, minutos antes, tinha ele pedido minha mãe para guardar o 38 dele, casamento de evangélico, puxa a arma e põe na bolsa de minha mãe, todos vêem, ninguém fala, sabem quem ele é e o que fará naquela noite, um morto, alguma grana, pouca coca. Volta pro casamento, sangue na calça, sangue no sapato. Que porra é essa moleque?Fiquei sabendo do assassinato assim, da boca do assassino.
Logo o Cuíca? Porra, beleza, Olha como ele ta feliz com o beck, beleza, vamos fumar... Uma onda da porra, uma onda do caralho... Nunca pensei que fumaria essa merda, nunca pensei, da favela ainda?Sujeitando-me a comprar, como disse o moleque que fumava há tempos, porém, nunca comprava nunca se sujeitava àquela humilhação... Dei mole... D, percebeu no bar, eu percebi na praça da Kombi, eu discuti, quase briguei com o dono da casa...demos mole, agora basta fumar um beck, relaxar, mas é foda, se liga D. fica ligado, B. ta doidão, ainda não comeu aquela mulher, mas também, na frente de geral?Ela é safada, vai dar, vai dar... Esse beck é uma maravilha, tranquilo, que relax... Nem penso nela, nem quando fumo, quase sempre penso nela, menos quando fumo. Eu a amo, ela, um dia, também me amou, acho que agora ela apenas se ama. Mas eu era machista, mas mudei, as coisas funcionam assim, lá vai o L. se tornando um merda como eu, sendo machista, quando perder vai ser um Eu, um merda arrependido. Tá beleza, que viajem, eu sou maluco, sou maluco... Já torraram o beck todo?Dei dois tapas só porra, também, passou por maior galera...
Cecete, brother, a galera ta metendo lá embaixo, a mãe do maluco, vai ser maior esculacho, neguinho não respeita nada. Ó, vamos meter o pé, o cara ta boladão, estão metendo na casa dele, na frente da casa da mãe dele, e ninguém está dando pra ele, o bicho vai pegar, olha, o B. não sai da mesma cena, moleque, isso vai dar merda, é óbvio isso.
Particularmente, nunca achei que uma pessoa da favela seria assim, pensava no motivo pelo qual o cara que se parece com o Cuíca, vou chamá-lo de Cuíca mesmo, sentia-se ofendido com a galera que trepava na casa do amigo dele, vai ficar ai uma questão, eu, não entendo, mas deixo as fichas para que alguém entenda.
Os caras estão discutindo, esse dono da casa tem transtorno bipolar, uma hora ele ta bem, na outro ta puto, caralho moleque, tem gente ficando com medo. Olha ele, cacete, tá gritando o nome de JAH ali na janela: ô JAH, pelo amor do senhor, JAH! É melhor a gente ficar com medo mesmo, pelo menos o medo nos previne de alguma merda. D. o que vamos fazer, esses caras estão malucos...? Os grupos falavam a mesma coisa, o dono da casa e o Cuíca reclamavam da galera fazendo sexo, eu, só estava fumado... Pararam o sexo, pedimos pra parar. O grilo agora era outro, a falta de respeito, mas nisso, já tinha ido embora o Cuíca, decidido a não voltar mais, diante daquela falta de respeito, mas pensei: no início, ele dissera que o problema era o sexo, paramos o sexo, agora a falta de respeito, ele, sem dúvida, queria arrumar confusão, e eu, não queria pagar pra ver, ele foi embora, eu, fiquei com medo, cenas assim, já tinha presenciado de dezenas, lá pelo lado das milícias, mas ali era tráfico, não vejo diferença alguma...
Partiu geral, partiu... Os caras tão puto, o maluco ouviu a gente falando, comentando que eles estavam putos, o M. ficou discutindo, falando alto, não respeitou os malucos, gente, vamos embora, vai dar merda e eu to ligado já... Chama o B. a puta dele, que é casada, mas queira meter com a festa toda, e quem quiser vir, estamos indo. Aí, espera o F, vai ficar aí sozinho com esses caras?É, chama ele, chamar o quê? O cara está com a mulher, dane-se, eu meto o pé então... Não! Ta, deixa que eu chamo. Fui lá, o chamei, ele e a mulher dele e dei o papo: se liga, os malucos estão nervosos aí, tem gente desrespeitando a casa do moleque, a mãe do moleque, e acho que vai dar merda, é melhor a gente meter o pé, ou então tu desenrola essa porra, vai desenrolar?Sai da cama, vai desenrolar, agora não tinha caô, todos tinham saído, a parada era ir embora, o melhor a se fazer... Vamos, vamos, tem gente lá atrás, não dá, B., D., vamos, não quero nem saber, o táxi, tem táxi alí,aí irmão, quanto é o táxi até Bangu? Não! Não vamos de táxi não, é melhor esperar porra, vamos com a galera, juntos é melhor, a gente não conhece nada por aqui, é favela moleque, e se ele entregar a gente pro movimento? Qualquer caô é uma merda total... Beleza, vamos não irmão, vai com Deus... Vamos andando, vamos sair daqui, fodeu, que medo, mas tá tranquilo. Vamos pegar a Kombi?Pra onde, Bangu?Tanto faz, vamos sair daqui.
Confesso: meu amor, ter terminado o namoro deixou minha vida bem mais interessante!Ah, e uma última coisa: se agarre ao teu deus, porque o meu, já deixou de existir faz tempo, assim que você se foi por aí, sustentada pela raiva e pelo amor-próprio...



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